A aplicação de medidas cautelares pessoais em audiências de custódia: um olhar a partir da prisão em flagrante de pessoas em situação de rua
DOI:
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v7i1.425Palavras-chave:
Medidas cautelares diversas da prisão, Audiência de custódia, Pessoas em situação de rua, atuação judicial.Resumo
O artigo partiu da pergunta: como ocorre a aplicação de medidas cautelares pessoais nos encontros presenciais entre atores jurídicos e pessoas em situação de rua em audiências de custódia? Realizou-se pesquisa de campo no Núcleo de Prisão em Flagrante e Audiências de Custódia de Salvador, em dois períodos do ano de 2018, coletando dados em distintos contextos de demanda por ordem na cidade, para entender os sentidos conferidos por juízes, promotores e defensores em relação às medidas cautelares em espécie. Dentre a observação de audiências com 69 custodiados, a pesquisa teve como amostra operacional casos de 19 pessoas em situação de rua. Em relação a estes, também foi realizada análise documental dos 19 autos de prisão em flagrante e 52 processos pretéritos, entre ações penais e autos de prisão em flagrante, que constavam como registros criminais. Expandindo a análise para além da mera ausência ou insuficiência de fundamentação nas decisões e analisando a técnica do “paredão” como procedimento informal de audiência, problematizou-se as funções não declaradas que vêm sendo atribuídas às medidas cautelares, a depender do contexto de demanda punitiva, e a conformação da lógica da “prisão a médio prazo”. O trabalho conclui que as medidas tidas como alternativas, além de não serem debatidas sob os critérios legais de cautelaridade, exercem uma função de antecipação punitiva e se inserem na gestão sociorracial urbana, apresentando conexões mais profundas com a prisão preventiva, que é mantida em seu horizonte.Downloads
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