Injustiça epistêmica

a prova testemunhal e o preconceito identitário no julgamento de crimes contra a mulher

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22197/rbdpp.v9i1.788

Palavras-chave:

Violência de gênero, Preconceito identitário, Ideologia patriarcal, Injustiça epistêmica, Injustiça testemunhal

Resumo

As estruturas patriarcais que ainda marcam a sociedade brasileira afloram na forma de diferentes espécies de violência contra a mulher. O conceito de injustiça epistêmica, concebido por Miranda Fricker, emerge como um importante referencial teórico para a compreensão dos impactos dos preconceitos identitários no julgamento de casos de violência contra a mulher, na medida em que explica as distorções na distribuição da credibilidade entre agressor e vítima. A partir desse marco teórico, corroborado pela revisão bibliográfica da literatura específica, o artigo desenvolve a hipótese de que as estruturas de poder forjadas pelo patriarcado se manifestam nas práticas epistêmicas, inclusive sob a guarida da pretensa neutralidade do discurso jurídico, gerando um desbalanço no grau de confiabilidade atribuído às mulheres e aos homens, no âmbito do processo penal, e culminando em graves injustiças como a impunidade do agressor e a culpabilização da vítima, com base em estereótipos de gênero. Busca-se, por meio dessa análise, responder ao seguinte questionamento: em que medida o “ouvinte virtuoso” idealizado por Fricker pode servir de parâmetro para guiar a colheita do testemunho de vítimas de violência doméstica e outros crimes contra mulheres? E, ainda, em que medida a adoção dessas práticas epistêmicas virtuosas pode contribuir para evitar a influência de preconceitos na avaliação da prova testemunhal, e, em última instância, para mitigar os perniciosos efeitos do preconceito identitário no Sistema de Justiça – considerando o poder simbólico ostentado pelo Direito?

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Biografia do Autor

  • Alexssandra Muniz Mardegan, Universidade de Lisboa, Lisboa

    Mestranda em Direito (Área de concentração: Ciências Jurídico-Criminais) pela Universidade de Lisboa (2018-); Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará (2005); Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará.

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Publicado

31.03.2023

Edição

Seção

DOSSIÊ: Injustiça epistêmica nos contextos penal e processual penal

Como Citar

Muniz Mardegan, A. (2023). Injustiça epistêmica: a prova testemunhal e o preconceito identitário no julgamento de crimes contra a mulher. Revista Brasileira De Direito Processual Penal, 9(1). https://doi.org/10.22197/rbdpp.v9i1.788